top of page

Um dos maiores medos das pessoas que vão aos cemitérios é o de ver ou ouvir almas penadas passando por lá. Pelo número de corpos enterrados em um cemitério, é normal que as pessoas pensem que muitas almas estão vagando sem destino.

Com Antônio Mamedio não foi diferente, funcionário da Setec há mais de 20 anos, ele diz que nunca tinha pensado em trabalhar com mortos, e que um de seus maiores medos era o de ver almas penadas vagando por lá. Tendo trabalhado no cemitério da Saudade e no Nossa Senhora da Conceição, Mamedio conta que que quando começou a trabalhar no Cemitério Conceição, ouvia vozes, mas que os funcionários que estavam lá antes dele falavam que o problema era outro.

Apesar das histórias contadas pelos colegas Mamed, como é conhecido, diz que nunca presenciou nada do tipo. Segundo ele as coisas no cemitério são normais e a maior parte dos problemas é causada pelos vivos e não pelos mortos.

Trabalho
Por Henrique Fernandes

Almas penadas

Um dos principais vilões dos cemitérios são os coveiros. As pessoas costumam apontá-los como carniceiros, por trabalharem com a morte. Há quem diga, inclusive, que eles vendem ossos e órgãos das pessoas enterradas.

Contudo os profissionais que trabalham com a morte, são como todos os outros. Em sua maioria tiveram que escolher a profissão para poder sustentar suas famílias. Para conhecer melhor essas pessoas, fomos até o Cemitério Nossa Senhora da Conceição, administrado pela Setec (Serviços Técnicos Gerais), para conversar um pouco com eles sobre como é conviver com a morte todos os dias.

SEU MARCOLA

Marcolino da Cruz é encarregado dos coveiros no Cemitério Nossa Senhora da Conceição há mais de 20 anos, só de Setec possui 34 anos de serviço. Com seus 63 anos já passou por poucas e boas na profissão.

 

Ele conta que nunca pensou em trabalhar em um cemitério, mas em 1984, as vésperas de seu casamento, foi mandado em bora da empresa Lix da Cunha, e sem outra opção, conseguiu um emprego como ajudante geral na Setec, aonde está hoje.

Apesar disso, ele diz que se hoje estivesse na posição de escolher em que lugar trabalhar, não hesitaria em continuar no cemitério, lugar que ele aprendeu a gostar, e que segundo ele é muito tranquilo para trabalhar.

Para Marcolino o grande problema de se trabalhar no cemitério é um só: a chuva.

Mamedio trabalha há mais de 20 anos na Setec, entrou como ajudante geral e hoje é operador de máquinas e tratorista

Almas penadas - Antônio Mamedio
00:00 / 00:00

Com mais de 30 anos de Setec, Marcolino da Cruz exerce a função de encarregado dos funcionários do cemitério.

Cambuí

Orlando Cambuí, 64 anos, nascido na pequena cidade de Guariba, está há dezessete anos como coveiro no cemitério Nossa Senhora da Conceição ele diz que se sente orgulhoso de fazer um trabalho tão importante para a população: “Alguém tem que fazer isso, é um trabalho digno que as pessoas precisam, e me sinto até orgulhoso, de fazer algo que  ajude as pessoas. ”

Orlando foi parar no cemitério aos 48 anos, era aposentado pela Adere Embalagens, lugar em que trabalhava em área insalubre, mas o que  ganhava não era suficiente para sustentar sua esposa e três filhos, foi quando abriu o concurso da Setec e se inscreveu. Chegou sem saber ao certo qual era o serviço, foi então que chegou ao cemitério e viu que era coveiro mesmo. "Quase desisti, depois do primeiro dia, cheguei em casa e  não conseguia ficar em pé."

Quase Nocaute

 

A chacina de janeiro de 2014 deixou 12 mortos em Campinas e, até hoje, repercute entre os cidadãos da cidade, despertando a revolta de muitos. O problema é que quando você está em luto a revolta e inconformidade pode ser tanta que você acaba encontrando alguém em quem descontar. Foi o que aconteceu com seu Orlando. No enterro de um dos mortos na chacina, a irmã, completamente desorientada, não suportou ver que iriam enterrar seu irmão, foi então que sem pensar, partiu para cima dele com uma "voadora", ele prontamente desviou e a menina caiu no chão. "ela estava muito revoltada, tentou me acertar por enterrar o irmão dela."

Apesar de tudo, ele diz que gosta do que faz, pois lhe dar com a morte faz as pessoas se sentirem mais vivas, elas entendem que precisam aproveitar melhor a vida, tratar bem as pessoas.

"Quando a gente faz uma exumação e vê aqueles ossos, a gente percebe que não é nada, que uma hora isso tudo vai acabar e que não adianta guardar dinheiro, querer se sentir melhor que os outros, por fim não importa quem você é, você vai acabar do mesmo jeito que qualquer outra pessoa."

Orlando Cambuí, mesmo aposentado, é um dos funcionários mais ativos do cemitério Nossa Senhora da Conceição.

Trabalhar na chuva - Marcolina da Cruz
00:00 / 00:00

Fernando: O Papagaio

Fernando de Aguiar, 55 anos, trabalhou quase toda a vida no comércio, pelo qual ele conseguiu se aposentar em 2013, mas um pouco antes disso, mas especificamente em 17 de dezembro de 2012 se juntava ao time de coveiros do Cemitério Nossa Senhora da Conceição.

Hoje, com cinco anos de cemitério, ele acumula histórias e por seu tom de voz e por não parar de falar nem sequer por um momento, foi apelidado por seus colegas de papagaio de cemitério.

Fernando fala  que mesmo com cinco anos trabalhando no cemitério e enterrando pessoas todos os dias, ainda se emociona com alguns enterros, e que as vezes não consegue conter a emoção.

Ele conta que algumas situações ainda o deixam extremamente triste, e que por isso ele faz de tudo para deixar o familiar que está passando por essa situação o mais tranquilo possível.

Para ele o mais difícil é sepultar crianças, pois elas ainda não tiveram a chance de viver toda uma vida.

Fernando diz que um dos problemas de trabalhar no Conceição foi sua mulher, ela nunca gostou de cemitérios e sempre que eles precisavam ir a algum enterro , quando voltavam, a primeira coisa que faziam ao chegar em casa era tirar as roupas e lavá-las, para não correr o risco de se contaminar.

Quando ele começou a trabalhar no cemitério Nossa Senhora da Conceição, a esposa dele não quis que levasse a rupa para lavar em casa, então até hoje, cinco anos depois, ele lava a roupa suja do trabalho no cemitério.

Apesar de todos os problemas, a roupa suja, a tristeza de trabalhar com a morte todos os dias e ver o sofrimento das outras pessoas, Fernando gosta do que faz, e principalmente, gosta de estar em um lugar aberto, pois segundo ele dá uma sensação de liberdade e ajuda a se conectar com a natureza e dar atenção às pequenas coisas da vida.

Para ele, o Conceição é uma "eterna maternidade", e ao mesmo tempo em que há várias pessoas mortas, há dezenas de animais nascendo lá todos os dias.

© 2017 por alunos de jornalismo da PUC-Campinas. Music by Bensound.

bottom of page