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Construído para ser um lugar de repouso eterno após a morte, os cemitérios guardam mais que lembranças, eles conseguem contar a história da cidade e de seus moradores. Por esse motivo é cada vez maior o número de pessoas que visitam cemitérios em suas viagens, considerado por eles verdadeiros museus a céu aberto.

arte
Por Julio Moreira

Turismo no Cemitério

Artistas de Túmulos

O Abandono

Mausoléu aos Voluntários de 32

Somente no Cemitério da Saudade, em Campinas, existem 259 túmulos que têm construção datada entre 1920 até 1940. “Há muita história que os cemitérios contam, às vezes são até mais verdadeiras que as do museu.” Explica Bruno Medeiros, 38 anos, professor de história e, como se intitula, turista de cemitério. Para ele o cemitério te dá uma visão geral da cidade. Observando bem é possível analisar as ordens religiosas que ali estão e seu período, as famílias mais tradicionais e, também, crenças locais.

 

“Nunca imaginei, um dia, sair de casa para visitar um cemitério. Hoje, logo que chego a uma cidade procuro logo o mais próximo.” Exalta Lúcia Maria Ribeiro, 58 anos. A primeira vez que foi visitar um cemitério foi a 6 anos, em uma viagem a Argentina. “Chegamos lá e o guia disse que íamos conhecer o tumulo da Eva Perón. No começo achei estranho, mas depois fiquei encantada com as esculturas e toda a história que o guia ia contando-nos diversos túmulos que passávamos.” Relembra empolgada Lúcia Maria.

 

O professor de história da PUC-Campinas, Dr. Fábio Augusto Morales, acrescenta: “Toda a história da cidade de Campinas, assim como outras cidades, está nos cemitérios. Neles é possível ver todo o desenvolvimento social, econômico e social dos vivos a partir da compreensão do espaço dos mortos”.

 

Contudo, no Brasil ainda não é muito popular o turismo em cemitérios. Como prova, o Cemitério da Saudade começou a ser tombado no ano de 2008, até agora, só um terço de seus túmulos e jazidos é reconhecido como patrimônio histórico e cultural da cidade.

Imagem de São Francisco de Assis, feito em bronze

“O cemitério é feito para os vivos, é uma das maneiras mais antigas que a sociedade arrumou para lidar com finitude da vida.” Pontua o professor Doutor Morales, que ainda explica que vários túmulos antigos exaltavam a pessoa morta, como forma de confortar a família. “A arte no túmulo é sempre expressada de forma a engrandecer o falecido. Como se ele fosse para um lugar superior, fazendo parecer uma vitória em relação aos ficaram vivos”, acrescenta.

Atuando nos cemitérios da cidade foram encontrados 27 diferentes artistas, que fizeram seu trabalho nos estilos do neoclassicismo, art déco, eclético, belle époque e os mais novos flertam com o estilo modernista.

 

Destes artistas, quatro se destacaram como principais construtores do período são eles Marmoraria Irmãos Coluccini, Indústrias Zarattini (que ainda praticam o oficio, mas com o nome Cilage) e os irmãos Patrício e Marcellino Vélez.

 

Cada família com seu estilo mais marcante, os irmãos Vélez trabalhavam com o eclético, o que os deixou mais conhecidos que os outros por serem mais ousados nos desenhos de seus túmulos que outros artistas.

Essa exaltação é facilmente visualizada na concepção dos túmulos. Há sempre um Santo velando pelo corpo enterrado ou um anjo orando pela alma de quem se foi. Outro fato que mostra essa alusão a “subir aos céus” pode ser observado na posição das mãos das imagens, quase todas estão apontadas para cima.

 

Com o passar do tempo os mármores de Carrara foram substituídos por granito e concreto armado. Mas ainda hoje há a preocupação de se manter viva a imagem da pessoa, ou da família, após a morte.

Professor Morales conceitua a arte nos cemitérios

IEstátua de Anjo, feito em pedra

Ao visitar o Cemitério da Saudade é comum encontrar estátuas danificadas, túmulos quebrados e abandonados sofrendo as ações do tempo. “É triste ver o abandono que as obras estão. É tanta riqueza histórica e cultural que merecia uma atenção maior.” Lamenta Lúcia Maria Ribeiro.

 

A briga maior é para saber quem deve pagar para manter túmulos. Como parte do cemitério já é considerada patrimônio cultural e histórico, as famílias não querem arcar com os custos da manutenção, que justificam ser da Secretária de Cultura da cidade.

 

Há também outra parcela que não está incluída no registro como patrimônio da cidade, mas esses justificam que a responsabilidade de manter o local seja da Setec (Serviços Técnicos Gerais). 

 

Por fim, ninguém assume a responsabilidade pelo acervo do cemitério e todas as obras ficam sofrendo as ações do tempo sem os cuidados necessários

Fica localizado na praça em frente ao cemitério. Para a concepção do projeto foi feito um concurso entre os artistas da cidade, ano de 1934. Quem venceu o concurso foi o artesão Marcellino Vélez. O monumento é formado por 17 colunas de concreto onde, no centro, há um brasão do estado e os versos de Guilherme de Almeida, importante escritor campineiro, que também venceu um concurso local.

 

Os versos são: “1932: Não é túmulo, é berço, é sementeira, de ideal, baliza do futuro; pista, rastro de heróis na terra campineira. Sobre elles, côr a côr, lista por lista, eternizou seu vôo essa bandeira, petrificou o Pavilhão paulista. Bandeirantes, por vós, nesta jazida velam as pedras, que esta morte é vida.” O monumento foi inaugurado em 09 de julho de 1935 como exaltação do ideal da Revolução Constitucionalista.

 

As construções em homenagem aos combatentes de 32 tem caráter extremamente político, como analisa o prof. Dr. Morales. “Todos os monumentos aos combatentes da revolução tinham como objetivo a construção de uma identidade paulista na população. Algo que era preciso pra época.”

O valor politico do monumento é reforçado pelo poema de Guilherme de Almeida, mesmo autor dos versos gravados na coluna do mausoléu, publicado no jornal Correio Popular:

“Credo

Creio em São Paulo todo-poderoso

Criador, para mim, de um céu na Terra.

E num ideal paulista, um só, glorioso,

Nosso senhor na paz como na guerra,

O qual foi concebido nas bandeiras,

Nasceu da virgem alma das trincheiras,

Perdeu sob o jugo dos invasores,

Foi crucificado, morto e sepultado,

Desceu ao vil inferno dos traidores,

Mas para um dia ressurgir dos mortos,

Subir aos céus e estas sentado

À direita do Apóstolo-Soldado,

Julgando a todos nós, vivos ou mortos,

 Creio no pavilhão das treze listras,

Na Santa União de todos os paulistas,

 Na comunhão da Terra adolescente,

Na remissão de nossa pobre gente,

 Numa ressurreição do nosso bem,

Na vida eterna de São Paulo,

 Amém.”

Estátua feita em pedra, danifiicada, no Cemitério da Saudade

Monumento dedicado aos revolucionários de 1932, localizado em frente ao Cmitério da Saudade

© 2017 por alunos de jornalismo da PUC-Campinas. Music by Bensound.

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